Sinopse: “Filosofar nunca foi sobre deixar você feliz. É que andam mentindo muito por aí. Filosofar está mais ligado ao despertar do sonambulismo. Essa é minha proposta nesta conversa com você.” “Seguiremos em direção a um mar profundo, muito distante do que o senso comum assume que o mundo seja. O mundo não é um mar calmo de evidências. É um oceano cheio de pequenas tempestades a serem vencidas. O cotidiano nesse percurso não é a mera passagem das horas, é o cotidiano contemporâneo, permeado pelo caráter histórico desta época em que vivemos.” “Somos seres muitos mais acanhados em nossa natureza do que a aberração feliz postada nas redes sociais (e na publicidade em geral). Suspeito mesmo que a própria ideia de felicidade se tornou uma variável patogênica em si.” “Quem tem medo de sofrer é incapaz de desejar.” “Leitura é um hábito anormal, se ‘normal’ for ser igual à maioria.” “A obsessão pela felicidade faz de você um chato. Como escapar dessa armadilha? Escolher o fracasso? Não precisa, ele te achará. Viver sem fórmulas é o desafio
"Aristóteles achava que era um ser social e, por tanto, hoje em dia teria perfil no Facebook" - Merlí
Merlí chegou
há pouco mais de um ano no catálogo da Netflix, mas já conheço a série há algum
tempo (para quem não sabe, sou professor de Espanhol e sempre tento assistir
séries e filmes com a língua, apesar dessa não ser). Ela é daquele tipo que
está no catálogo, mas quase ninguém assiste ou comenta, entretanto, todos os
seres humanos deveriam assistir.
A série
catalã agradou muito ao público não só da Catalunha, como da Espanha toda (vale
ressaltar que Merlí foi dublada para ser exibida em todo o território espanhol,
tendo em vista que ela tem o áudio original em catalão) e por isso, a Netflix
comprou os direitos da série, se tornando uma das produtoras e responsável ela
distribuição pelo mundo.
Assim, em
três temporadas, acompanhamos a história de Merlí, um professor substituto de
Filosofia recém contratado, que passa a dar aulas na turma de seu filho, o
jovem Bruno. O professor não tem métodos muito convencionais de dar aula e
acaba influenciando, até demais, a vida de seus alunos (e de quem assiste também)
Por isso,
fizemos uma lista com alguns motivos para você assistir a série, então vai.
1º. FILOSOFIA
Filosofia
nunca foi minha área de humanas preferida, tive muitos problemas com meu
professor na escola. Merlí me ensinou mais sobre filosofia, sociologia e humanidades
que qualquer professor que já estudei.
Cada episódio
leva o nome de um filósofo ou movimento filosófico, e você querendo ou não
aprenderá sobre eles, já que as explicações não ficam somente no reino das
ideias e nós vemos as aulas acontecendo em cena, com o professor explicando e
os alunos tirando dúvidas. Além disso, a filosofia aprendida neste episódio
servirá para algum/alguns aluno(s) aplicar(em) em suas vida e superar o momento
que passa.
Por exemplo,
logo nos primeiros episódios, Merlí usa a explicação sobre Mito da Caverna de
Platão para ajudar um aluno que sofre de síndrome do pânico e início de
depressão a voltar a sociedade, já que o mesmo está há meses sem sair de casa
ou ter contato com outras pessoas que não seja sua mãe.
Além disso,
as discursões filosóficas desenvolvidas na série são extremamente relevantes,
tratando de assuntos como política, economia, sociedade e até sexualidade.
Então, se
está com dificuldades em Filosofia, é uma boa oportunidade para estudar e
assistir série ao mesmo tempo.
2º PROBLEMAS
REAIS
Os
brasileiros já estão acostumados a ver Malhação toda semana há mais de 20 anos,
entretanto a série brasileira traz uma versão superficial da vida dos
adolescentes que retrata. Merlí segue um padrão totalmente diferente disso.
Os jovens
alunos do bachillerato (Ensino Médio
da Espanha) trazidos são colocados em situações que se assemelham demais a vida
real, deixando de lado os conflitos amorosos e brigas superficiais de
adolescentes, como discursão por quem ama mais, colocando em evidencia assuntos
como crises de pânico, controle excessivo da família, descoberta da sexualidade,
uso e venda de drogas e dúvidas sobre a aproximação da vida adulta.
Sim, eles mostram alunos usando drogas e seus efeitos
Ver a
evolução dos personagens desde o primeiro episódio até o último é gratificante,
ver as perdas e conquistas de cada um nos coloca em uma posição muitas vezes
desconfortável e que nos faz aprender muito com isso.
3ª DEFESA DA
CAUSA LGBTQ+
Não é a
primeira vez que uma série espanhola traz a questão como uma de suas bases, a
final, Física o Química já trazia em
2008 um casal gay como um dos casais principais, mas Merlí foi além disso.
Na série,
podemos ver como Bruno, filho de Merlí, tenta se aceitar como gay, enquanto o
mesmo reproduz falas e atos homofóbicos, além de se contrapor a outro aluno,
Oliver, um jovem gay, afeminado, convicto de sua sexualidade e disposto a tudo
para quebrar o preconceito vivido tanto em casa como na escola. Pol também vai
ter sua bissexualidade desenvolvida no decorrer das três temporadas.
Além dos
alunos, uma professora substituta transexual aparece em alguns episódios, Quima, ajudando os estudantes a ter uma nova visão sobre identidade de gênero,
chegando ao ponto dos alunos protestarem pela permanência da professora na
escola.
Merecendo uma salva de palmas por dedicar um episódio inteiro a Judith Butler
(episódio 7 da 2ª temporada), uma das idealizadoras da Teoria Queer. Entretanto,
a crítica fica pela falta de atores que realmente sejam gays, lésbicas e
transexuais (pelo menos não assumidos, a maioria tem vidas reservadas e na
Espanha, essa questão não é um tabu tão grande a ponto de ficarem perguntando
em todas as entrevistas)
4ª EDUCAÇÃO
Merlí, o
personagem, é tido por todos como o bom mau caráter, entretanto, é inegável que
suas técnicas de aula são extremamente não-convencionais (e não vou mentir,
sempre tento dar aula seguindo seu modelo) e consegue atrair a atenção dos
alunos, os fazendo imergir no ambiente, como realmente deveria ser.
Se todos os
professores fossem empáticos como Merlí e soubesse lidar com a diversidade e as
necessidades de seus alunos, a educação seria bem diferente dos moldes atuais.
Infelizmente, se um professor segue à risca o que ele faz, corre grandes risco
de ser demitido de primeira.
Um grande
exemplo desse “poder” que Merlí tem está na sua relação com Pol, um jovem que
está repetindo pela 2ª vez o 1º ano do batillerato.
Antes mesmo de entrar em sala e de conhecer o aluno, o estudante é apresentado
como o pior da escola e uma pessoa sem futuro. O professor não liga para isso,
e logo em seu primeiro contato com Pol aceita suas limitações, como o fato dele
não conseguir copiar o conteúdo e prestar atenção na aula ao mesmo tempo (um
problema que tive/tenho durante toda minha vida escolar), e o torna seu aluno
favorito, desenvolvendo no adolescente um motivo extra para estudar, já que
ninguém acreditava nele (#SPOILERALERT Pol acaba se
tornando professor de Filosofia graças a isso)
Em um diálogo muito interessante, um professor diz à Merlí que não vai ser amigo dos seus alunos e que é necessário manter a distancia entre professor e aluno, Merlí responde "Me interessa mais a distancia entre professor e professor"
Entretanto,
Merlí nos mostra o outro lado da educação também. Muitas vezes acreditamos que
os sistemas educacionais europeus são excelentes e acabamos entrando em uma
falsa crença de que tudo é perfeito lá. Na série vemos que o sistema espanhol é
cheio de problemas, como a falta de recursos, professores com péssimos salários
e desmotivados e a falta de apoio do governo para várias ações na escola.
Então, antes de criticar o sistema brasileiro citando estrangeiro, nem tudo é
um mar de rosas como se pensa (Apesar disso, o governo espanhol é um dos que
mais investe em educação tanto dos espanhóis como em outros países, o Brasil,
por exemplo, é um dos que mais recebe bolsas de estudos de lá).
5º LÍNGUA
CATALÃ
Para os que
estão acostumados com as séries em inglês, Merlí pode ser uma boa válvula de
escape para conhecer novas línguas. Depois do sucesso que foi La Casa de Papel,
uma série espanhola, é bom descobrir que a Espanha não tem somente um idioma
oficial.
Para quem não
sabe, algumas comunidades autônomas (que seriam os nossos estados), como
Catalunha, País Vasco e Galícia, tem línguas co-oficiais, e essas línguas são
mais usadas do que o próprio castelhano em seus territórios.
Merlí mostra
justamente isso, a série é totalmente em catalão, os únicos momentos em que
ouvimos o castelhano são nas aulas de Língua Castelhana, que é dada como
qualquer outra língua extra como inglês e latim, e em diálogos relacionados a
família de Pol, que veio de Madrid.
A língua é
apresentada em vários momentos como uma forma de protesto, tendo em vista que a
situação atual na Espanha traz à tona movimentos separatistas, coisa que a
série também mostra com alguns detalhes.
Além disso, é
muito legal aprender expressões e gírias novas como sisplau, ningun, amiquis. Então, se puder, assista no
áudio original, você não vai se arrepender.
Então, não
deixe para amanhã o que você deferia estar fazendo desde 2015, comece Merlí
hoje mesmo na Netflix, se apaixone, odeie e descubra como as pessoas podem ser
hipócritas (tudo isso no mesmo personagem).
Priscila, linguista de formação, doutoranda em Narratologia. Começou a ler um livro do Sidney Sheldon aos oito anos e nunca mais parou. Hoje, fez das Letras sua profissão.